A mente como remédio
Experiências demonstram que emoções negativas reduzem as defesas naturais do organismo - e que atitudes positivas podem ajudar a curar
“Para curar um doente de tuberculose
é mais importante saber o que ele tem na
cabeça do que no tórax.”
Cunhada em 1910 por sir William Osler, um eminente professor de Medicina nascido no Canadá, a frase acima se revestiu de uma surpreendente atualidade nos últimos anos. Uma enxurrada de estudos científicos tem demonstrado que o estado emocional do paciente e a confiança que ele deposita na cura são fatores decisivos para a recuperação. Essa constatação deu origem a técnicas e a serviços de apoio que começam a ser integrados aos tratamentos tradicionais para enfermidades graves como o câncer e a Aids.
Experimentos realizados nas últimas décadas revelaram que fatores como a depressão, o desânimo, o estresse e a ansiedade reduzem as defesas naturais do organismo em razão de conexões existentes entre o sistema nervoso e o sistema imunológico. Pacientes pessimistas e desesperançados, desse modo, debilitam as células capazes de combater as doenças e tendem a se beneficiar menos dos tratamentos.
Já o enfermo convicto da cura e notabilizado pelo otimismo, seja seu mal uma gripe ou um câncer, fortalece os mecanismos internos de cura e apresenta melhores condições de recuperar-se ou obter uma sobrevida mais longa. Em outras palavras, a ciência está descobrindo o que muitos charlatães já apregoavam: a mente pode curar, ou pelo menos dar uma ajuda decisiva na cura.
- O estado de ânimo que a pessoa mantém diante da doença influi muito na recuperação. Se ela está alegre, tem mais chance de melhorar. Se está depressiva, pensa que o mundo acabou e repete que vai morrer, debilita seu estado imunitário e não vai se curar nunca. O paciente tem que colocar algo de si para que o medicamento trabalhe - explica Ivan Izquierdo, professor titular de neuroquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Uma das comprovações clássicas dessa tese veio quase por acaso. Nos anos 70, David Spiegel, responsável pelo Departamento de Psiquiatria da Stanford University da Califórnia, resolveu verificar se o tratamento psicológico poderia ajudar mulheres com câncer de mama a superarem a depressão, a ansiedade e as dores que acompanhavam a doença. Dividiu as pacientes em dois grupos. Às integrantes do primeiro, ofereceu uma terapia e deu instruções sobre técnicas de relaxamento e auto-hipnose. Verificou que, ao mesmo tempo que elas obtinham avanços na qualidade de vida, as pacientes do grupo sem acompanhamento psicológico pioravam cada vez mais.
A grande surpresa viria 13 anos depois. Em meio a uma polêmica médica sobre a possibilidade de um estado mental levar à cura, Spiegel resolveu revisar seu experimento e verificar o impacto que ele tivera na sobrevida. Os resultados o deixaram aturdido e acabaram vindo a público em uma edição de 1989 da conceituada revista científica The Lancet: enquanto as mulheres que não receberam tratamento psicológico viveram em média 19 meses, as outras apresentaram uma sobrevida duas vezes maior - e algumas ainda estavam vivas.
Pesquisadores como o oncologista italiano Mariano Bizzarri, membro da Sociedade Americana do Câncer, sustentam que, à luz desses novos conhecimentos, os médicos devem rever seu papel. A participação e o grau de confiança que eles demonstram em relação ao tratamento transmitem ao paciente “segurança, fé, esperança e talvez mais alguma coisa”. Em um estudo com 10 cardíacos tratados por médicos entusiasmados com os novos tratamentos, verificou-se que oito apresentaram respostas excelentes na comparação com outros pacientes submetidos às mesmas terapias, mas tratados por profissionais céticos quanto as suas possibilidades.
A MÁ INFLUÊNCIA DE FATORES NEGATIVOS |
Estudos relacionam estados prolongados de depressão e ansiedade, redução das defesas do organismo e aparecimento de enfermidades: |
1950: O americano John Calhoun investiga uma colônia de ratos vivendo em condições de superpopulação em unidades habitacionais especiais. O estresse emocional gerado provoca elevada presença de doenças cardiovasculares e tumores 1959: Mais de 200 pacientes de câncer são submetidos a análises psicológicas. O pesquisador L. Le Shan descobre que a maioria das pessoas, antes de adoecer, havia perdido relações afetivas estreitas, nas quais concentraram energias e expectativas 1983: Um trabalho do Mount Sinai School of Medicine de Nova York demonstra que, após a perda do cônjuge, o viúvo sofre uma redução de funções imunológicas importantes. Os linfócitos voltavam a reagir normalmente somente depois de um ano 1987: Pesquisa da Johns Hopkins School of Medicine mostra que a incidência de câncer em pacientes tipo “solitário” (pessoas que suprimem emoções e interpretam negativamente os eventos) era 16 vezes superior à registrada no grupo tipo “emocional” |
| “Não sou coitadinha” Lídia Stodulski, 39 anos, diz saber o momento em que nasceu o câncer que enfrenta. - Foi há três anos, quando descobri que minha mãe estava com esclerose múltipla. A notícia me deprimiu. Chorava muito. Tenho certeza de que isso me prejudicou. O tumor na mama esquerda de Lídia apareceu em março, quase ao mesmo tempo das metástases de um antigo câncer de pele. Ela se submeteu a cirurgias e faz tratamento quimioterápico. O apoio psico-oncológico oferecido no Hospital de Clínicas a afastou da depressão. - Eu me sinto combatendo a doença e não fico triste. Quando raspei o cabelo, a cabeleireira me chamou de coitadinha. Respondi que não era coitadinha. Estou super bem e tenho certeza de que isso vai fazer diferença. Já disse para minhas filhas que não vou morrer. |
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